Filha de pais holandeses, Maria Hendrika Wegman ou, como ficou conhecida, Ita Wegman (1876–1943) nasceu em Java (Indonésia), na época colônia da Holanda.1 Na juventude, teve um professor de música que pertencia à Sociedade Teosófica, que a fez se interessar pelo assunto.
No início do século XX, sua família retornou à Holanda, onde ela cursou ginástica corretiva e massagem sueca. Em seguida, em Berlim, estudou hidroterapia. Nessa cidade, em 1902, ela assistiu pela primeira vez a uma conferência de Rudolf Steiner, o fundador da antroposofia. Já em 1905, após Steiner palestrar sobre um conto de Goethe (A serpente verde e a bela Lilie),2 Ita Wegman profundamente impressionada foi até ele e perguntou como renovar os mistérios da Antiguidade nos dias de hoje, em relação à medicina. Sem esse questionamento não teria nascido a medicina antroposófica. O fato foi assim narrado por Zeylmanns van Emmichoven, na publicação sobre a biografia de Ita Wegman:
Durante esses dias, Ita Wegman teve algumas conversas com ele [Steiner]. Ela perguntou se ele não poderia colocar o princípio do mistério mais em destaque na medicina. E por que, até então, ele havia mantido os cursos tão intelectualizados para médicos. “Quero ter uma medicina como ela era na época dos mistérios”.3
A resposta a essa pergunta obviamente não poderia ser resumida numa frase. Steiner, então, a convidou para participar de suas aulas. Mais tarde, Wegman disse: “Daquele momento em diante eu soube que Rudolf Steiner era meu professor, é meu professor e será meu professor no futuro”.1
Em seguida, Steiner a aconselhou a cursar medicina. Com esse objetivo ela foi para Zurique, na Suíça, em 1905. Uma vez formada, em 1911, Wegman iniciou sua prática médica nessa cidade e posteriormente se especializou em ginecologia, cujo título ela recebeu em 1917.
Em 1911, Steiner deu o primeiro ciclo de palestras sobre medicina (GA 128), em Praga, que originou o livro A fisiologia oculta.4
Em 1917, Wegman tratou o primeiro paciente oncológico com Viscum album subcutâneo. Atualmente, esta planta é uma das mais estudadas cientificamente e ano após ano muitos pacientes se beneficiam de seu uso terapêutico.
Com o primeiro curso para médicos dado por Steiner, Ciência Espiritual e Medicina, em 1920, Wegman transferiu-se para Basileia, já com o objetivo de fundar em seguida uma clínica na pequena cidade ao lado, Arlesheim. Ali, as indicações terapêuticas de Steiner poderiam ser colocadas em prática. Isso aconteceu a partir de junho de 1921 com a criação do Instituto Clínico-Terapêutico (Klinisch-Therapeutisches Institut), que mais tarde passou a se chamar Ita Wegman Klinik, hoje Klinik Arlesheim.
Wegman também fundou uma casa terapêutica para crianças com deficiência mental (Haus Sonnenhof ) em Arlesheim, em 1922, e foi cofundadora do laboratório farmacêutico antroposófico Weleda, inicialmente chamado Internationale Laboratorien AG.
O trabalho conjunto de Wegman e Steiner se intensificou cada vez mais. Steiner afirmou que essa colaboração foi possível pois Ita Wegman possuía não só o conhecimento de uma médica qualificada, mas também os dons terapêuticos intuitivos que levam diretamente da observação do quadro clínico à compreensão espiritual e em consequência à terapêutica genuína.1
Além do trabalho conjunto com Steiner, Wegman se tornou sua médica e tratou dele em seus últimos dias de vida. O único livro que Steiner escreveu em coautoria foi com Wegman: Elementos fundamentais para uma ampliação da arte de curar (GA 27).5 Trata-se da obra básica para qualquer profissional de saúde que almeja compreender o ser humano a partir dos conceitos antroposóficos, em seu estado de saúde e doença.
Sem saber, Ita Wegman inaugurou na década de 1920, através da medicina antroposófica, a medicina integrativa, hoje tão propagada. Em suas palavras:
Não se tratava de menosprezar, de maneira diletante, leiga, a medicina científica; esta foi plenamente reconhecida. Mas se tratava de complementar o existente com o que pode afluir de um verdadeiro conhecimento do espírito, para a compreensão dos processos da doença e da cura. Naturalmente que não se trata de avivar a forma anímica, instintiva, dos antigos mistérios, e sim de uma forma que corresponda à consciência moderna, plenamente desenvolvida, elevada para o espírito. […] Não se trata de oposição à medicina que trabalha com os métodos científicos reconhecidos na atualidade. Reconhecemos plenamente os princípios dessa medicina. E somos da opinião de que aquilo que é dado por nós só deveria ser posto em prática, na arte médica, por médicos plenamente qualificados no sentido desses princípios.5
O impulso inicial dado por Ita Wegman frutificou. A ela se seguiram vários médicos e outros profissionais de saúde que cada vez mais deram estrutura à antroposofia aplicada à saúde. Hoje, diversos médicos em muitos países do mundo praticam a medicina antroposófica, com seus medicamentos naturais, terapias externas, massagens, trabalho biográfico, psicoterapia, euritmia terapêutica, arteterapia, dentre outros.
[Texto extraído de A história da antroposofia aplicada à saúde. Nilo E. Gardin, Bruno Callegaro. In: Fundamentos da antroposofia aplicada à saúde. São Paulo: Liber Vitae; 2021.]Referências:
- Kirchner-Bockholt M, Kirchner-Bockholt E. Rudolf Steiner’s mission and Ita Wegman. London: Rudolf Steiner Press; 1977.
- Goethe. O conto da serpente verde e da linda Lilie. São Paulo: Aquariana; 2012.
- Emmichoven JEZ. Wer war Ita Wegman – Eine Dokumentation. Arlesheim: Natura; 1990.
- Steiner R. A fisiologia oculta. 4ª ed. São Paulo: Antroposófica; 2008.
- Steiner R, Wegman I. Elementos fundamentais para uma ampliação da arte de curar. 4ª ed. São Paulo: Antroposófica; Associação Brasileira de Medicina Antroposófica; 2015.
Deixe um comentário